Começamos a descer e lá está ela. Sai-me, "tão pequeninicha!" Confirmaremos mais tarde. Cerca de 20 vezes mais pequena, e no entanto mais velha, que a Madeira.
Pequenina, mas muito diversificada. Na costa Sul, e apenas aí, cerca de 9 km de praia de uma areia finíssima, e por isso fofa, composta por fragmentos de conchas, corais e algas calcárias. Dizem os profetas (habitantes de Porto Santo) que o Ilhéu de cima (ilhéu do farol) e o ilhéu de baixo (Ilhéu da cal) são os guardiões da areia desta praia dourada .
Impressionou-nos, em particular, a Fonte da Areia. O vento arrasta as areias destas formações, alimentando a praia no lado oposto da ilha.
Outra formação completamente distinta é o Piano, no Pico Ana Ferreira. Um conjunto de colunas prismáticas cujas faces formam maioritariamente hexágonos. O nome do Pico associado a uma lenda sobre uma jovem, Ana Ferreira. Esta lenda tem várias versões, mas simpatizamos com esta versão do guia segundo a qual Ana Ferreira teria sido feita prisioneira numas grutas da zona por, alegadamente, ser amante do rei. Neste pico teria escondido o seu tesouro, provavelmente joias que o rei lhe trazia para a compensar desse exílio. Diz-nos o guia que ainda hoje muitos buscam esse tesouro.
Noutra visita de barco em torno da ilha, observamos as galerias perfuradas na rocha para a extração de cal no Ilhéu da cal e, no topo, vestígios de antigas construções que serviam de abrigo aos trabalhadores. Nestas minas de extracção de cal pereceram vários homens, pelo que estas minas foram desactivadas nos anos 70 do século passado, na sequência da diminuição do valor económico na cal e de um acidente que vitimou 16 homens.
Porto Santo, agora muito erodida, foi berço de muitos dragoeiros que quase foram levados à extinção devido à ganância dos exploradores que os sacrificavam pela sua seiva vermelha cor de sangue (sangue de dragão - daí dragoeiro) muito usada na tinturaria e para fins medicinais.
Tanto mais que haveria a dizer desta pequena ilha, mas não posso deixar de me referir ao vocabulário. Por exemplo, uma meia de leite é uma chinesa. A chinesa valeu uma conversa bizarra entre mim e um empregado do bar Colombo. À minha pergunta “meia de leite diz-se da mesma maneira?” Parecia-me que ele respondia qualquer coisa sobre falar chinês. E eu insistia “não. a sério. diga lá. diz-se da mesma maneira?” E o rapaz, já enfadado, repetia. Até que percebi! Meia de leite é chinesa! Assim como um abatanado é um chino. Mas garoto é garoto. Pronto, é assim.
Foi também com os jovens do bar Colombo que aprendi como se faz a verdadeira “poncha à pescador”. Feita na hora, com casca e sumo de limão, açúcar e aguardente de cana da Madeira, com o auxílio do pau da poncha. A jovem mostrava-me o pauzinho de madeira e dizia-me o nome. Como eu não percebesse, teve de mo repetir três vezes e eu não percebi das três vezes. Mas à terceira, para não ser maçadora e porque me pareceu que se calhar era o que eu estava a pensar…, respondi com um condescendente “Ah!”. Só mais tarde confirmei que o nome é “mexelhote”, mais conhecido pelo nome que a moça repetiu três vezes na sua pronúncia de profeta “caralhinho”. Também a “sopa de trigo” me valeu outra conversa de moucos. “Já provou sopa de trigo?” “sopa fria? ainda não”. Revirar de olhos do outro lado. ”sopa de trigo!!”.”sopa de trigo, também não...” E o que dizer da, merecidamente afamada, “lambeca”, um gelado típico de Porto Santo há mais de cinquenta anos. Estes gelados contam com cerca de 25 sabores diferentes (quatro disponíveis a cada dia). Muito cremosos, sim senhores. E o crepe (Suíço) no palito, que eu desconhecia. Em versão doce e salgada. Muito bom!
Ademais, come-se muito bem, e relativamente em conta, em Porto Santo. De realçar, todo o tipo de peixe grelhado com que nos consolámos (Mercado Velho), as lapas (Appolo 14 e todos), o filete de espada com banana em maracujá e legumes (Calheta e Pxo grill) e até o crepe Suzzete (flambé) com a merecida encenação (Pxo grill). Refeições simples (A Praça e Pizza N’Areia) (Só não gostámos do Bar do Henrique - 15,50 euros por 4 pequenos camarões...). E por todo o lado, bolo do caco e bolo da Madeira, cujas origens são disputadas entre profetas e vilões (Madeirenses). As mil lojinhas em Vila Baleira, onde entramos e saímos, deixando-nos ou não tentar, por mais ou menos bagatelas. Tudo isto é Porto Santo.
Mas, principalmente, o que gostámos em Porto Santo foi a simpatia e a educação das pessoas. As festas da Senhora da Piedade em Vila Baleira. À noite, com música e danças tradicionais da Madeira. A igreja toda iluminada e florida, cheia de gente que rezava, colocava velas, ou simplesmente em convívio, porque a igreja são mesmo as pessoas. A temperatura ambiente amena, com pequenas amplitudes térmicas, a temperatura de uma água muito cristalina, onde até os friorentos como eu entram sem hesitação. A cor do mar em tons de azul e verde emoldurado pelo cinzento escuro, castanho ferro e esverdeado das rochas.
E, no final da tarde, em Vila Baleira na zona do porto velho, os meninos a saltar do pontão já fazem parte da paisagem.
Era estranho não ver o pôr do Sol no mar, em Porto Santo. Mas até isso se conseguiu rumando à Ponta da Calheta, onde a praia termina em frente ao ilhéu da cal. Assim fizemos e, como nós, alguns outros aficionados pelo pôr do sol, o aguardavam. E assim juntos, como uma irmandade que se sente ainda mais gratificada pela partilha desta sensação, nos deliciámos com esta dádiva da natureza, já antecipando um outro prazer, o de um peixinho, servido mesmo ali ao lado.
Porto Santo é realmente uma pequena grande ilha. Portugal está de parabéns, mas Porto Santo merecia mais atenção por parte dos poderes regional e central, porque Porto Santo é muito mais que uma praia, do que um destino de férias. Os Profetas deveriam reivindicar mais para a sua, para a nossa ilha.