Há sempre alguém que desiste...
Ninguém soprou o balão
Verão
E o ar escalda.
Verão
No meu corpo roupas leves,
como leve o pensamento.
Leve, leve como o vento,
vou subindo, vou subindo...
Bola de sabão brilhando ao sol de Verão.
Bola de sabão, também meu coração.
O sol que brilha, e eu que subo...
O sol que sobe e eu que brilho.
Subo... subo... vou voando...
No meu corpo, roupa é brisa,
no meu espírito vida é sopro.
Tao leve cá por dentro...
Como leve estou por fora.
Um sopro mais forte rebenta o balão...
Outro balão já se forma.
Verão e o ar abrasa
Verão...
Abrasa meu coração.
Leve, leve, vou subindo...
Bola de sabão, sopro leve de Verão.
....
(O Fernando diz: “O Inácio suicidou-se!”)
Bola de chumbo pesa. Pesado meu coração.
Bola de sabão por onde andas?
O teu olhar onde está?
De que te serve o amor?
Para que te serve amar?
Somos tanto, ou somos tantos?...
Poucos, muito, nada somos.
Bola de sabão, João?
Ninguém soprou o balão.
Ninguém parou a teu lado.
Nenhum olhar demorado.
Apenas um encolher de ombros:
“Morreu afogado o coitado.”
O João morreu. O mundo permaneceu.
E dentro de mim há raiva.
Raiva de sermos cada um de nós, um só.
Raiva por vivermos virados para nós.
Raiva de estarmos sós
Existindo lado a lado.
Digo “Ninguém parou a teu lado”
Mas a raiva é mais por mim.
Jesus, será mesmo assim?
É uma vida que acaba.
Um universo se extingue.
Um irmão nosso que morre.
Pior. Um irmão nosso que escolhe a morte
Como remédio final.
No mesmo dia em que o meu balão subia, subia...
Alguém como eu, olhando o mesmo sol que me aquecia, dizia
“Adeus. Acabou. Não prestou. Não trouxe nada e tudo me levou.”
Estrangeiro. Oscilava. Ía cair. Ninguém ajudou.
Caiu!
A raiva é toda por mim.
(de que me serve o amor?)
A raiva é do meu próprio choro.
Tivesse chorado antes,
Contigo e a teu lado.
Tivesse querido ajudar.
Estava muito ocupada
(todos nós muito ocupados)
Não há tempo p’ra parar.
O Outro?... Que se lixe o Outro...
Bola de chumbo pesa. Pesado meu coração.
Para que te serve o amor
Se não aprendeste a amar?
Bola de sabão, ridícula bola de sabão,
Não sobes não.
Pesado o teu coração.
O corpo gelado do teu irmão é uma acusação
que arrefeceu o teu Verão
E te esvaziou o balão.
Não é pena de ti que eu tenho, João
(tu entendes...)
É antes raiva e pena de mim.
Mas até a minha raiva é vã...
Sou aquilo que censuro.
Aquilo que digo é fumo,
Sinto-me culpada. Sou culpada.
Já não é Verão
Já não há balão.
Há menos um coração.
Somos tanto, ou somos tantos?
Poucos, muito, nada somos.
Bola de sabão, João?
Ninguém soprou o balão!
(Esta espécie de catarse marcou a minha entrada na adultícia.
Curiosamente, há algo em nós que permanece imune ao tempo...)