Uma nova flor
"Tudo na terra já aconteceu antes,
nada é novo,
mas ai dos amantes
que não conseguirem descobrir uma nova flor
em cada beijo."
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"Tudo na terra já aconteceu antes,
"Não interessa quem tu amas, onde é que amas, porque é que amas, quando é que amas ou como é que amas, o que interessa é que amas."
John Lennon
Se quero fazer uma mesa que se mantenha direita, ou construir uma parede que não caia, tenho de proceder como se o postulado de Euclides tivesse à nossa escala um valor absoluto.
De igual modo se quero que a minha vida tenha um sentido devo postular que ela o tem de facto, ainda que seja da minha inteira responsabilidade procurar esse fim. /…/
Tal é a primeira experiência, a da decisão responsável e da escolha entre dois postulados que comandam uma forma de vida; a aceitação do absurdo do que existe, e a integração do estilo de vida que ele implica: alegrias de supermercados, rememorações das violências televisivas, futebol dos écrans, charters como sucedâneo de evasão, o aborrecimento asseptizado, a anestesia, o handicap mental ao alcance de todos e a terceira idade precoce. Ou então o postulado do sentido, com a sua responsabilidade e os seus riscos, as suas angústias e as suas esperanças.
Liberdade mortífera de indiferença ou de negação, ou liberdade trágica da participação na criação do sentido.
Roger Garaudy
Recriminam-se os escritores pela sua inclinação para abordarem temas sombrios, tristes, dramáticos, sórdidos e nunca ou quase nunca felizes. Não creio que isso seja fruto de uma preferência, mas da impossibilidade de contornar um obstáculo. Sucede que a felicidade é indescritível, não se pode declinar a felicidade. É por isso que os contos populares e os contos para crianças – e inclusive os filmes americanos com happy end – acabam sempre com uma fórmula deste género: “Casaram e foram muito felizes para sempre.” Ali o narrador detém-se, pois já não tem mais nada para dizer. Onde começa a felicidade, começa o silêncio.
Julio Ramón Ribeyro
Amo. Este amor, se não for um pobre tumulto provisório dos meus sentidos ou uma ilusão do imaginário, mas sim uma floração, em mim, de todos os poderes do meu corpo, do meu sexo, do meu pensamento, dos meus sonhos, do meu gosto pelo sacrifício, à chamada de outro que também não é um indivíduo solitário, como eu, separado de mim como uma pedra doutra pedra, mas outro que é o que me falta e me chama a ser, aquilo de que eu sinto com dor e surpresa a necessidade e o desejo, este amor não é meu. O outro ama-se a si próprio em mim.
Roger Garaudy in Palavra de Homem
(gravura de João M. de Castro e Brito)
Natal, e não Dezembro
Entremos, apressados, friorentos,
numa gruta, no bojo de um navio,
num presépio, num prédio, num presídio,
no prédio que amanhã for demolido...
Entremos, inseguros, mas entremos.
Entremos, e depressa, em qualquer sítio,
porque esta noite chama-se Dezembro,
porque sofremos, porque temos frio.
Entremos, dois a dois: somos duzentos,
duzentos mil, doze milhões de nada.
Procuremos o rastro de uma casa,
a cave, a gruta, o sulco de uma nave...
Entremos, despojados, mas entremos.
Das mãos dadas talvez o fogo nasça,
talvez seja Natal e não Dezembro,
talvez universal a consoada.
David Mourão-Ferreira
L'Amour et Psyché (O Primeiro Beijo) William Adolphe Bouguereau
A Sésta
Pierrot escondido por entre o amarello dos gyrassois espreita em cautela o somno d'ella dormindo na sombra da tangerineira. E ella não dorme, espreita tambem de olhos descidos, mentindo o sôno, as vestes brancas do Pierrot gatinhando silencios por entre o amarelo dos gyrassois. E porque Elle se vem chegando perto, Ella mente ainda mais o sôno a mal-resonar.
Junto d'Ella, não teve mão em si e foi descer-lhe um beijo mudo na negra meia aberta arejando o pé pequenino. Depois os joelhos redondos e lizos, e já se debruçava por sobre os joelhos, a beijar-lhe o ventre descomposto, quando Ella acordou cançada de tanto sôno fingir.
E Elle ameaça fugida, e Ella furta-lhe a fuga nos braços nús estendidos.
E Ella, magoada dos remorsos de Pierrot, acaricia-lhe a fronte num grande perdão. E, feitas as pazes, ficou combinado que Ella dormisse outra vez.
Almada Negreiros, in Frisos - Revista Orpheu nº1
Nas caladas noites de Inverno, quando despego o olhar dos papéis, encontro sempre os teus que me envolvem de ternura. Isto é quase nada – e revolve o mundo. É saudade, e a vida que passa e a morte que se aproxima, enquanto o tronco arde no lume, o pinheiro estala ou o carvalho amorroa. De fora vem o hálito da floresta e das águas. Mais silêncio... Surpreendo-te então a repetir o meu pensamento, ou é o teu que me acode ao mesmo tempo. Não fales! Outra figura transparece atrás da tua figura. Nesse momento até o lume parece encantado e ficas tão linda que antevejo a vida misteriosa que me fascina e deslumbra. Isto só dura um segundo. Mas basta às vezes que me sorrias e é a tua alma que sorri, basta às vezes que não fales e é a tua alma que me fala! Nesse momento somos um ser: eu sou tu, tu és eu; tu sorris, eu sorrio... Então cai sobre nós o silêncio - e eu descubro o que só nos é dado ver depois da morte, a amplidão das almas, seu poder magnético e, num deslumbramento, ao lado da existência pueril, a imensidade do universo e o infinito que nos rodeia e de que perdemos a sensação pelo hábito.
Raul Brandão in Se tivesse de recomeçar a vida
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Muito agradecida! 🙏
Amei o texto!!!!!🥰👏👏👏👏🤜🤛🌞🍺
Muito agradecida.
gostei muito do seu texto
Vão sim, Susaninha. Vejo-vos lá aos três muito fel...