Mas há riso e riso, e devemos distinguir o humor da ironia. A ironia não é uma virtude, mas uma arma – virada, quase sempre, para os outros. […] Útil? Sempre que necessário! Que arma não é útil? Mas nenhuma arma constitui a paz, nenhuma ironia constitui o humor. A linguagem pode iludir. Os nossos humoristas, com se diz, ou como eles dizem, não passam muitas vezes de ironistas ou satiristas, e por certo que são necessários. Mas os melhores aliam os dois géneros: assim Bedos*, mais ironista quando fala da direita, mais humorista quando se refere à esquerda, puro humorista quando fala de si próprio e de todos nós. Que tristeza, se só pudéssemos rir contra! E que seriedade, se só dos outros soubéssemos rir! A ironia é isso mesmo: é um riso que se leva a sério, um riso que troça, mas não de si mesmo; é um riso que faz pouco dos outros. […] Os dois registos podem certamente misturar-se a ponto de se tornarem indissociáveis, indiscerníveis, em tudo menos no tom ou no contexto. Assim quando Groucho Marx declara magnificamente: «Passei uma noite excelente, mas não foi esta.» Se o diz à dona da casa, no final de uma festa fracassada, será uma ironia. Se o diz ao público, no final de um dos seus espectáculos, será humor. Mas, pode também haver humor no primeiro caso, se Groucho Marx assume a sua parte de responsabilidade no fracasso da festa, como pode haver ironia no segundo, se, como às vezes acontece, o público tivesse muito pouco talento… Podemos gracejar à custa de tudo: do fracasso, da guerra, da morte, do amor, da doença, da tortura… Mas é necessário que este riso traga um pouco de alegria, de doçura e de leveza à miséria do mundo, e não traga mais ódio, sofrimento ou desprezo. Podemos rir de tudo, mas não de qualquer maneira. Uma história de judeus nunca será humorística na boca de um anti-semita. O riso não é tudo e não desculpa coisa alguma. De resto, tratando-se de males que podemos impedir ou combater, seria evidentemente culpável limitar-se a gracejar. O humor não substitui a acção e a insensibilidade pelo sofrimento alheio é uma falta. Mas, tanto na acção como na inacção, seria igualmente culpável levar demasiado a sério os seus próprios bons sentimentos, as suas próprias angústias, revoltas ou virtudes. A lucidez começa por si próprio. Daí o humor, que pode fazer rir de tudo, contanto que comece por rir de si mesmo.
*Guy Bedos é um escritor, comediante e actor Francês conhecido pela sua sátira política.
André Comte-Sponville in Pequeno Tratado das Grandes Virtudes