Pudor
Pudor, diz o dicionário, é um sentimento que significa vergonha, constrangimento, embaraço. Parece ser uma palavra datada. A palavra, não o sentimento. Isabel Allende diz que nunca escreveu um livro erótico, porque não o poderia escrever enquanto a mãe fosse viva (por pudor) e depois da mãe falecer deixou de ter interesse em o escrever. Partilho o meu entendimento das pessoas e das coisas. Por pudor, são partilhas íntimas mas não privadas. Embora sejam muitas vezes as partilhas privadas doutros que também fornecem substrato para o meu crescimento. Todos somos vizinhos cuscos por detrás das nossas cortinas. Todos sentimos atracção por essas partilhas, mais ou menos privadas, que fazem disparar reacções/comentários, por vezes, também de quem espreita por detrás de identidades mais ou menos forjadas (por pudor?). Também por isso, neste meu pudor existe uma parte que é receio. Receio de ver vandalizadas as minhas privacidades por quem não tem (a mesma) sensibilidade. Situações, pessoas, sentimentos, registos, tudo o que eu sinta um furo acima de íntimo é para os chegados quando não, mesmo, só para mim. Não que o meu mundo seja muito original, “como se um grande amor cá nesta vida não fosse o mesmo amor de toda a gente”. E não só amor, embora convenhamos principalmente Amor. E escrever sobre o que é privado é um ir para dentro cá fora. E essa viagem pode ser difícil e dolorosa. Com um pouco de perspicácia e muita empatia, sentimos que quem se desnuda, por vezes, está ao invés por (pu)dor a cobrir com um trompe l'oeil o que é verdadeiramente privado, por vezes até para si próprio. Somos afinal muito mais iguais nas nossas diferenças. Também no que ao pudor diz respeito.